quarta-feira, 10 de junho de 2020

Brevíssima leitura de Maria Velho da Costa





Brevíssima leitura de MVC

 

 

Por altura da morte de Agustina Bessa-Luís (03-06-2019), escrevi um texto sobre brevíssimos aspectos da sua obra, na medida em que, como então disse, tratando-se da minha autora de cabeceira, há muito a lia, estudava e aspirava mesmo a desenvolver uma tese que me parecia inovadora.

Tratava-se de uma morte anunciada e as palavras saíram facilmente.

Não disse, então, o que me parecia indecoroso, que sempre a tinha colocado como a grande autora do século XX que se opunha a outra tão grande quanto ela, Maria Velho da Costa e que, mais do que na cabeceira, residia dentro de mim. Porque desta eu conhecia toda a obra que fui lendo à medida que ia sendo publicada. Era, apesar de duas décadas de distância entre nós, uma companheira, irmã que eu venerava desde que, em 1976, tinha ficado presa no “Cravo”. Consegui facilmente os livros anteriores, desde “O Lugar Comum”e depois tornei-me viciada.

Por isso, agora, que Maria Velho da Costa morreu inesperadamente, em 23 de Maio de 2020, eu não tive a mais pequena vontade de arrebanhar meia dúzia de palavras para a homenagear, só porque sim, só porque poderia ficar bem. Não. Também eu não sou muito de palavreados. E no entanto, desde esse dia de Maio não parei de a reler, não parei de a pensar e de ouvir as algumas coisas interessantes que alguns, poucos, sobre a sua obra foram dizendo/escrevendo. E insidiosamente foi-se impondo o desejo de escrever, sendo eu uma simples leitora apaixonada e sem um pingo de aspirações a ter saída no mercado. Em qualquer mercado. Mas escrever será uma forma de assumir, enfim, que a escritora Maria Velho da Costa está viva em mim. Faltará depois (o que não é pouco) que quem de direito a coloque no cânone literário português da segunda metade do século XX, no lugar ao lado de Agustina, por razões bem diversas, que importará deslindar e de que quero deixar desde já um indicador: onde Agustina é personagem única da sua obra, autora de um único livro que vai reescrevendo ao longo de uma vida, numa linguagem e língua únicas, Maria Velho da Costa é a voz plural de personagens várias, de histórias várias e linguagens e línguas várias. Maria Velho da Costa arrancou Portugal da visão única, branca, privilegiada, para lhe dar a mestiçagem que vai de Luís de Camões a João Guimarães Rosa. Grandeza imensa para país tão pequeno!

Maria Velho da Costa poderá não ser considerada como “escritor de linguagem”, segundo as suas próprias palavras no documentário “Fátima de A a Z”, de Margarida Gil, pois a linguagem está intimamente ligada às histórias e personagens o que constrói uma obra polifónica (já muito dito, mas certo) e inteira. No sentido da plenitude que advém de uma imbricação entre o que usa chamar-se de forma e conteúdo, fazendo que uma e outro se dependam entre si. Ao (re)inventar a palavra, ao fazer renascer/reviver uma língua, Maria Velho da Costa conta-nos histórias e fala de personagens que são também renovadas, que nos obrigam a ler em português, como se fosse a vez primeira, o que equivale a também olhar o país, a cidade que ela assume como sua, pela primeira vez. E esta primeira vez traz a novidade, ó quanto revolucionária!, de ser diferente porque plural, porque mestiça, porque muito chã e em diálogo constante com além fronteiras. Maria Velho da Costa deixa-nos, pois, à disposição uma Weltanschauung que ainda não foi possível (virá a ser?) usufruir.

A autora desdobra-se, descentra-se nas histórias e personagens, seguindo-lhes os passos, atenta aos seus linguajares, conseguindo, no entanto, ter a sua voz, como diz Ana Luísa Amaral, bem distinta e identificável, num trabalho de funâmbulo que aos leitores obriga a exercitarem-se numa arte de bem cavalgar toda a sua escrita, pois o exercício constante de construção e desconstrução desde a frase até à narrativa não são propícios a leituras de lazer. Essa é afinal a característica dos que ficam para a história, muito para além de nós. E Maria de Fátima Bivar Velho da Costa ficará, malgré tout et tous.


sábado, 16 de maio de 2020

"Amiga é casa"





 (em memória da Zita Magalhães)

 

Esta é a casa

que me tem cativa

porque nela vivi

já não quer que viva.

                                               

Eu nunca vi paredes

Tão de branco vestidas

Nem um chão de

Tão suave pintura.

Aqui encontrei palavras

Dobradas a ponto de cruz

Comi o pão que a terra

Ofereceu assim como

O outro que o diabo amassou

Dancei descalça sobre os

Sonhos verdes que te quero

Verdes amadureci os laços

Que me ensinaste a lançar

Ao rio numa curva apenas

Desenhada pelos teus

Olhos de amêndoa

Aqui me escondi

Quando o vento ameaçou

A minha loucura dourada

E aqueci o corpo nu

Na lareira dos teus quadros.

 

Agora esta casa

que me tem cativa

já não quer que eu viva

porque nela não vives.




quinta-feira, 16 de abril de 2020

mortes


(em memória da Isabel Costa)


usamos chorar a morte
de outros mas
é de nós que choramos
é da morte do lado de cá.

do rasgão que sentimos
na pele do soco que apanhamos
no estômago da ferida que lambemos
e demora a sarar

mas aquela morte que
surge insidiosa no interior
de quem sofre que afinal
suplica faz depressa o teu trabalho
ou a outra que não avisa e
ataca de supetão um corpo jovem
na quebra de uma onda
aquela que cada um sente
dentro de si, íntima, ignorada
dos humanos seres
aquela que afinal desconhecemos
é bem-vinda tantas vezes
outras insuspeita

essa morte do lado de lá
que não sabemos chorar
essa morte que apenas
os poetas aproximam
num verso que seja

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

os nomes




os nomes são nomes só
nomes de pessoas e coisas
a haver.
e pessoas e coisas que há.
o que não há não tem
nome.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

as mãos



mãos cansadas e artríticas
já não deslizam por colinas
nem folhas pecioladas
já não conseguem
a magia do malabarismo
poético ou sequer
o aceno figurado
às ondas do mar de Vigo

são mãos inertes
sobre a mesa
trementes e sós
à espera de um corte
que as transforme
em estátua de mármore
jateado

sábado, 18 de janeiro de 2020

Retro



Nos meus muito idos vinte aninhos fui acusada de não ser curiosa por um namorado que pretendia provocar-me ciúmes, talvez para certificar sentimentos. O rapaz enganou-se redondamente, porque eu sou extremamante curiosa, mas apenas em relação a coisas que me enriqueçam e não a miudezas.
Por isso não fui (nem irei) ver que raio de bikinis é que Joana Amaral Dias anda a vestir junto das filhas que tanto incomodam a nossa imprensa. Eu que fiz top-less e nudismo onde podia não consigoencaixar-me neste mundo tão neoneoneo em algumas coisas e tão retro noutras.
Fico na minha ignorância e com a azia habitual.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020