quarta-feira, 11 de julho de 2018




paizinhos meus que não estão no céu porque do meu coração nunca saíram nem sairão também eu não nasci de cu virado para a lua que não podia quebrar a cadeia familiar. mas, às vezes, sou feliz e queria que vocês soubessem que têm as netas mais bonitas deste mundo.
tenho dito.

quarta-feira, 27 de junho de 2018




há uma curva fechada
à direita ou esquerda
que não permite vislumbrar
o caminho a ficar
para os nossos
deslumbramentos
e me sufoca a garganta
enevoa o olhar
tropeça os passos

talvez uma onda
me sossegue
a alma

quinta-feira, 21 de junho de 2018




secaram as lágrimas e
insidiosas as lembranças
inundam o corpo caloso
os hemisférios cerebrais
esses
trocam as voltas
à vida

quinta-feira, 14 de junho de 2018




são tantas as imagens
que nos submergem as manhãs
tão repetidas ciclicamente
que a saturação semântica
altera de corpus e cria
a carapaça da indiferença
do convívio natural com
a miséria humana
capaz de suscitar até
apreciações estéticas

a fragilidade das palavras
essas
Vergílio
continuam
e restam os poetas
também narradores
para as manterem ao abrigo
do despudor

domingo, 10 de junho de 2018



(para o Afonso Camões)

ó portugalzinho, até o feriado
te calhou a um domingo
a passar assim tão despercebido!

já não tens poetas que te
cantem nem pintores que te
pintem nem músicos que te
busquem as cantigas de maio

à parte isso continuas
orgulhosamente ou não
isolado neste cantinho tão
estreito quase a cair no mar

os pinhais já não são lenho
senão de caçadores de fortuna
e os gentios abandonados
a um iletrismo abortivo

chega-te o futebol, portugalzinho,
que não sofre com as alterações
climatéricas.

terça-feira, 5 de junho de 2018

sexta-feira, 1 de junho de 2018




vale tão pouco
no mercado
um pedacito de
liberdade
e é tão insignificante
a sua queda nas bolsas
mundiais
que está prestes a cair
em desuso
o seu significado

domingo, 27 de maio de 2018




(para a Lídia Jorge)

inesperadamente
um livro apenas
salta da estante e
volteja como um raio
de sol em torno de mim

um sorriso qua andava
algures num passado
longínquo
brilhou nos meus olhos
reconfortados

terça-feira, 22 de maio de 2018




frágeis são as palavras
impotentes
para dizer o desejo
que palpita no sujeito
divorciado da
realidade de pedra.

resta apenas a poesia.

sábado, 19 de maio de 2018




estranha-se a face rugosa
da epiderme como
folha branca caduca
a contar os dias que passam
como chuva escorregando
janela abaixo indiferente
à perfeição das cortinas
rendadas

quinta-feira, 17 de maio de 2018





nem todos os dias são
de usar letras para exprimir
qualquer emoção
mas todos os dias
há uma emoção pelo menos
que sobressalta o sono
e fica muda

segunda-feira, 14 de maio de 2018




entre o calendário
e o tempo sentido
existe uma fissura que
se vai alargando
à medida que os dias
se enrolam uns
atrás de outros

lá no fundo surgem
matérias inflamáveis
que é preferível
ignorar

quinta-feira, 10 de maio de 2018





este tempo corre
como jacto supersónico
e as pessoas correm
a querer acompanhá-lo
ansiosas de não saberem o quê
apenas embriagadas de
velocidade deixando
para trás os pedacinhos
de pedras que cobrem
a praia as cartas escritas
à mão as crianças brincando no
jardim as bicicletas
estacionadas na borda
do rio

no fim da viagem
a paragem é igual
para todos.

domingo, 6 de maio de 2018




primeiro foram os ossos
espalhados à entrada
de cansaço
agora é a pele
estranhadamente
rugosa e manchada
a denunciar
a acumulação de um tempo
que tardava a
reconhecer.

sexta-feira, 4 de maio de 2018




a ferida resiste
a bálsamos a iodo a saliva
às lágrimas até que
não caíram
ela esconde-se
por vezes
pode parecer
sarada
mas resiste
aqui
no centro do
coração
despedaçado.

terça-feira, 1 de maio de 2018





recomeçar a subir
lentamente
uma duas três
vezes quantas precisas
até ao cimo da montanha.

o rés-do-chão sufoca.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

segunda-feira, 16 de abril de 2018





laços desfeitos
lançados ao chão
interrompendo o sossegado
caminho das formigas
são o que resta
de um jardim
plantado à beira mar.

domingo, 15 de abril de 2018






arrancar uma palavra
a uma alma adormecida
de morte
é um exercício sem anestesia
meticuloso
e agressivo

o resultado
é que a palavra
esguicha sangue
e não se sabe se o processo
de coagulação
está a funcionar.

quarta-feira, 11 de abril de 2018




uma casa declinada em
muitas casas
vazias umas
destruídas outras
encadeadas
como narrativas
de uma personagem
solitária
por vezes rodeada
de gente

o fim há-de ficar
aberto
em duas janelas
viradas a sul.

domingo, 8 de abril de 2018




fechadas as portas
que abril abriu
resta revisitar
os caminhos antigos
de resistência
luminosa
respirar o perfume
das planícies
ouvir os cantos
de pássaros negros
calcorrear as prisões
abandonadas
à procura de um sinal
de um indício
ou uma carta
que explique
a falência
do cravo.

quarta-feira, 4 de abril de 2018





tudo é estranho em volta
do pescoço arde palpita
sufoca
à espera de uma ave
que atravesse o horizonte
em voo deslizante curva
tranquilamente
para repor a respiração
de novo branca.

terça-feira, 3 de abril de 2018

sexta-feira, 30 de março de 2018

domingo, 25 de março de 2018

terça-feira, 13 de março de 2018

quinta-feira, 8 de março de 2018




sous le toit d'une pluie abondante
je creuse ma solitude
je tue ma langue
je crie le silence
et pourtant
je vis encore

est-ce vrai?

sábado, 3 de março de 2018


(ouvindo Khatia Buniatishvili)

tant que je t'écoute
en regardant tes mains
sur le piano
ressens-tu mon corps
qui chemine haletant?

c'est ça
l'amour

sexta-feira, 2 de março de 2018




são infelizes todos os amores.

mais infelizes ainda
aqueles que morrem sem
terem nascido sequer.

domingo, 25 de fevereiro de 2018




25 de Fevereiro de 2003

não sei se estava sol ou chuva
se era frio ou quente
lembro só
das calças que vestia
do lenço indiano
da música que ouvi
do cigarro que fumei.

sei que indicara o teu fim
que o teu corpo se desfigurava
e que não quererias continuar
em vida
mas sei que a notícia
me bateu como se fora novidade
soube que nada mais iria
ser como antes
soube que a tua falta
me seria fatal
PAI

agora que já o coração não dói
que as lágrimas secaram
que a saudade se esbateu
há um vazio inefável
uma mudez
um verso branco
que se impõem
ao calor da praia

há uma promessa de honra
a cumprir até ao meu
último suspiro
PAI

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018




a solidão
entranha-se de tal arte
nos mais escondidos
meandros da alma
que se sobressalta
ao mais leve
rumor de companhia

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018




se não houver uma pérola
no interior da casa
não me peçam que lá fique.




do passado ressurgem
gigantíssimos
mostrengos ainda que
já enterrados
a perturbar o sono
tranquilo das aves
a superfície do mar
rasga-se em pedaços
de sal queimando as
feridas que o tempo
nunca consegue
cerzir

é a altura de procurar
uma planície onde
sossegue o coração cansado

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018




está ocupado o meu
fevereiro. não tenho lugar
para mais vazio
e muito menos
para uma lágrima gelada.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018



os tempos distinguem-se
desencontram-se
chegam mesmo a ser
paralelos
este tempo não irá
nunca
encontrar-se com esse tempo.

sábado, 13 de janeiro de 2018




algumas poucas raízes
bastam para segurar
as hastes despidas de
um rasgo de vida ao acaso.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018




a imagem esgota sede 
cada olhar
ainda que distraído.

a palavra esgueira-se
entre cada fissura.

o caminho abeira-se de Ítaca.