terça-feira, 13 de dezembro de 2016

terça-feira, 29 de novembro de 2016

nada



horas paradas nem sequer sonolentas
a sonhar bibliotecas infinitas
que pudessem satisfazer a sede
de sonhos desconhecidos.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

mudez



Do mundo que me rodeia muita coisa merece a minha atenção, mas não encontro matéria que despolete uma frase e outra e depois outra. A banalidade arrepia-me de tal forma que me encerro num silêncio de chumbo e fico inerte, de braços caídos, presa à terra. Sem ânimo para voar. Onde dantes havia sonhos, agora jazem calhaus que as ondas não conseguem polir.
Foi necessária uma força hercúlea para levantar o braço até à folha e começar a escolher palavras que traduzissem o mutismo clarividente que me sufoca os dias.
Repetirei diariamente este gesto à procura do movimento que se torne natural e alivie pouco a pouco o peso da gravidade.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

um gesto



há um gesto perdido
que se abeirou de mim
num laço indelével
a trazer-me ao peito 
a memória da mãe 
que sempre me falta.

há um gesto meticuloso 
que repito e respeito
aparando migalhas
num cuidado maternal
de guardar as memórias
e resgatá-las do mar.

há um gesto apenas
afinal toda uma vida.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

brancura




não sei que
vestígios
restam das nuvens
engalanadas
ou primaveras
luzidias
outrora falava de
pássaros negros
de um azul límpido
e de voos rasantes
para dizer uma dor
apenas vislumbrada
mas o tempo
encarregou-se de limpar
as praias e varrer
as trovoadas
deixando agora um
muro branco
resistente
impermeável a
todas as palavras

terça-feira, 26 de abril de 2016

comparações



por vezes, o silêncio diz mais do que as palavras. e o pior é que não há consenso quanto às orações comparativas.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Uma no cravo, outra na ferradura



Bastaram 42 anos para que uma retrosaria aqui, uma merceria acolá, uma loja de confecções estejam naturalmente abertas no dia 25 de Abril. Pois a vida está má, sim senhor e não há tempo para brincar aos feriados! Aliás já são tão poucos aqueles que se lembram da madrugada daquela quinta-feira e dos dias que se seguiram a correr até ao 1.º de Maio e do mar de gente que andava pelas ruas. Podia ter sido bonito, sim, e ainda foi durante um ano e pico. Mas a festa durou pouco,pá!
E agora é feriado, ah sim, é verdade, foi o 25 de Abril, pois nem me lembrava!Mas nós aqui estamos sossegados, a vidinha vai indo como se pode, não temos refugiados, nem bombas, nem djiadistas, nem gente nas ruas a deitar fogo aos pneus, como em França, que aqueles gajos, vê-se mesmo que fizeram a Revolução Francesa, carago! Só estão bem na rua aos milhares e vai tudo à frente deles. Nós por cá, estamos bem, pá, temos assim uns bloquistas mais ou menos bem comportados, que defendem o aborto e os homessexuais e a adopção das crianças por esses maricões e os charros... mas também, é natural a gente nova e assim. Mais vale que estejam lá na Assembleia do que andarem aí na rua a fazer disparates.
Pois foi um grande homem, o Salazar, pá! Se não tivesse sido ele, ainda tínhamos tido cá os comunas e estávamos pior do que Cuba. Com a graça de Deus e dele escapámos.
E adeuzinho, pá, que amanhã vou de madrugada para a Suiça, fazer uns biscates que a minha mulher está doente e o dinheiro não chega para os medicamentos. Tem de ser, A vida é assim, adeuzinho e até à próxima.

domingo, 27 de março de 2016



não há páscoas que cheguem para tanta barbárie. nem palavras. nem imagens,meu amor. está gasto este mundo. desgastado. mas o sol continua a brilhar indecentemente, as ondas a dançar no teu colo e as crianças a sorrir. 
pesa muito nas costas cada instante que passa, cada sílaba arrastada pelo chão ensanguentado. 
não há páscoas nem natais
não há deueses caseiros
há apenas uma rosa pousada no teu rosto.

domingo, 20 de março de 2016



são as palavras ou é o tempo que cansam as faces sulcadas de lágrimas incontinentes aquelas que já não significam tristeza mas apenas um cansaço infinito dos olhos? são lágrimas também que transbordam as margens apenas porque o choro ficou esquecido lá atrás no tempo há muito tempo esquecido ou são o orvalho que embacia as estações anunciando um tempo inseguro?



quarta-feira, 16 de março de 2016




todas as "vésperas" são felizes e nós felizes nesses dias de vésperas. o céu é sempre azul as casas caiadas de branco o pão fresco em cima da mesa. os corpos são esguios e despidos dançam sobre a areia ou ao relento as aves voam rasas às janelas e as nuvens têm forma de corações. as palavras essas são suculentas e escorregam-nos das mãos com a desenvoltura pueril de quem acredita no milagre da poesia.
depois chega o dia. chega um agora intenso carregado de nevoeiro opaco. um agora cinzento lusco-fusco seguro apenas da noite que há-de vir. o corpo esquelético e reumático arrastando-se no soalho o sexo flácido os olhos baços mal distinguem as bordas da cortina rasgada. agora com chá e bolachas duas bengalas o ouvido turvo as rugas sulcando o rosto como arado. faz frio em toda a casa. faz muito frio. a cama vazia a cheirar a mijo, o gato cego em cima da mesa a jarra com flores de plástico desbotado. a televisão sempre desligada e o rádio roufenho. as visitas raras. cada vez mais raras as visitas. uma vizinha traz a sopa requentada do dia anterior. o carteiro já não toca.
um dia a vizinha esquece-se da sopa. um homem vem contar a luz e a porta já não se abre.

* as aspas de "vésperas" justificam-se por haver uma referência muito pessoal ao livro "Tempo de vésperas", do Professor Adriano Moreira, de 1971, cuja leitura refaço regularmente.


segunda-feira, 14 de março de 2016

domingo, 13 de março de 2016