quinta-feira, 28 de setembro de 2017




tocar as palavras com os dedos
os olhos fechados a perceber
se são de linho ou algodão
cheirá-las como relva
molhada nos primeiros
dias de outono ou terra

tocar o chão com o corpo
despido
de inocência

sexta-feira, 22 de setembro de 2017




estilhaços de vidro
colados ao corpo irreparável
a espetarem em punctum
o coração que afinal palpita
os olhos baços de
nevoeiro pegajoso
não distinguem já
a sombra dos laços
e os anéis que se foram
deixaram dedos artríticos
a tolherem-se nos vasos
como pétalas mortas:

já é curto o caminho
que se avista e mutilado
o desejo do fogo.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017




passou o tempo da flor
não há relva verdejante
nem sorrisos distribuídos nas esquinas
da cidade que escurece
pardacenta e húmida
pelas encostas dos teus olhos.

há um deserto de linguagem verbal
a cobrir as calçadas
gente despida de futuro
a cambalear pelas ruas
música atónica
a vegetar pelos jardins.

aguardemos inquietos
o dia final.

domingo, 10 de setembro de 2017




entre vestígios do cheiro
a sabão amarelo
e um qualquer topo de gama
que não terei
ficava bem dizer que prefiro
as madalenas de proust
mas acabei de espetar a agulha
no indicador e isso
prenuncia um silêncio
ensurdecedor

quinta-feira, 7 de setembro de 2017



a acumulação do
desperdício
entre o nascimento e a morte
transforma a vida
numa dádiva explosiva
que legamos ao futuro

no fim
não haverá ninguém para contar
como foi

quarta-feira, 6 de setembro de 2017




já não sabe a morangos
o encontro de gente que
fez parte de círculos
viciados no espectáculo
da moderna
idade

prefiro uma casca de lima.

sábado, 2 de setembro de 2017




tropeça cai passam-lhe
uma rasteira e cai de novo
a crescer e a cair se faz um caminho
que eu queria debruado
a pétalas    sem escolhos
vai fermosa e não segura

mas um dia a fermosura
romperá barreiras e vai
florescer serenamente
contra ventos e marés.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017




o ritmo de kronos acelera
para além do que
distinguem os meus olhos
os dias com menos horas
os meses com menos dias
os anos com menos meses
e depois as décadas e os séculos
e as gentes sem poderem contar

pelo caminho ficam destroços
de vidas diferentes todas
iguais em ossadas minúsculas
num planeta azul que há-
de esgotar-se