domingo, 27 de março de 2016



não há páscoas que cheguem para tanta barbárie. nem palavras. nem imagens,meu amor. está gasto este mundo. desgastado. mas o sol continua a brilhar indecentemente, as ondas a dançar no teu colo e as crianças a sorrir. 
pesa muito nas costas cada instante que passa, cada sílaba arrastada pelo chão ensanguentado. 
não há páscoas nem natais
não há deueses caseiros
há apenas uma rosa pousada no teu rosto.

domingo, 20 de março de 2016



são as palavras ou é o tempo que cansam as faces sulcadas de lágrimas incontinentes aquelas que já não significam tristeza mas apenas um cansaço infinito dos olhos? são lágrimas também que transbordam as margens apenas porque o choro ficou esquecido lá atrás no tempo há muito tempo esquecido ou são o orvalho que embacia as estações anunciando um tempo inseguro?



quarta-feira, 16 de março de 2016




todas as "vésperas" são felizes e nós felizes nesses dias de vésperas. o céu é sempre azul as casas caiadas de branco o pão fresco em cima da mesa. os corpos são esguios e despidos dançam sobre a areia ou ao relento as aves voam rasas às janelas e as nuvens têm forma de corações. as palavras essas são suculentas e escorregam-nos das mãos com a desenvoltura pueril de quem acredita no milagre da poesia.
depois chega o dia. chega um agora intenso carregado de nevoeiro opaco. um agora cinzento lusco-fusco seguro apenas da noite que há-de vir. o corpo esquelético e reumático arrastando-se no soalho o sexo flácido os olhos baços mal distinguem as bordas da cortina rasgada. agora com chá e bolachas duas bengalas o ouvido turvo as rugas sulcando o rosto como arado. faz frio em toda a casa. faz muito frio. a cama vazia a cheirar a mijo, o gato cego em cima da mesa a jarra com flores de plástico desbotado. a televisão sempre desligada e o rádio roufenho. as visitas raras. cada vez mais raras as visitas. uma vizinha traz a sopa requentada do dia anterior. o carteiro já não toca.
um dia a vizinha esquece-se da sopa. um homem vem contar a luz e a porta já não se abre.

* as aspas de "vésperas" justificam-se por haver uma referência muito pessoal ao livro "Tempo de vésperas", do Professor Adriano Moreira, de 1971, cuja leitura refaço regularmente.


segunda-feira, 14 de março de 2016

domingo, 13 de março de 2016